Uma espantosa solidão
Nan and Brian in Bed, NY, 1983, fotografia de Nan Goldin. Mais, aqui.
A bruxa
A Emil Farhat
Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.
Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida ao meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.
De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?
E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse neste minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.
Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e clama.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?
Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.
Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.
Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987).
3 Comments:
Pelo que vejo, aprendeste a apreciar a Nan Goldin.
:))
By Lu, at quarta-feira, 11 de julho de 2007 às 12:26:00 BRT
É vero, Lu. As lentes da Nan Goldin captam muito mais que luz e imagem. Cospem na cara da gente emoção visual. Pura. Um misto de sentimentos deconexos, conflitantes, angustiantes às vezes. Dor, solidão, isolamento, perdas. Força também. "Seres" marginais numa sociedade egoísta e nada igualitária. Acho que uma visão paranóica da realidade (minha ou dela?) acabou me aproximando de tudo que ela parece quer exprimir e mostar em suas fotos. Desculpe, não sei se me fiz entender bem, Lu. Mas é isso aí.
By Sandman of the Endless, at sexta-feira, 13 de julho de 2007 às 00:37:00 BRT
ô se fez, querido!
O Vítor me apresentou a Nan ao presentear-me com uma fotografia delicadíssima (por sinal, ela é o fundo de tela do meu pc).
Acho que a história pessoal da Nan é condição indispensável para entendermos o que a atraiu nos temas retratados. Há grande força, sim, nas suas imagens.
By Luciana Melo, at quarta-feira, 18 de julho de 2007 às 02:15:00 BRT
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