[ breviário de decomposição ]

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Ética (4)


(...) Gostaria de circunscrever melhor o próprio conceito de moralidade pública. Estamos vendo que ela consiste numa esfera de que todos os serem humanos participam, na medida em que cada sistema moral, a fim de revelar a sua unilateralidade, precisa ser confrontado por outros. Segue-se a necessidade de que todos os seres humanos sejam incluídos no seu âmbito. Sob este aspecto é uma moral cosmopolita, estabelecendo regras de convivência e direitos que asseguram que todos os homens possam ser morais. É neste sentido que os direitos do homem, tais como em geral se têm enunciado a partir do Século XVIII, estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver com outras, reconhecer a unilateralidade do seu ponto de vista. E com isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima, tomando os imperativos categóricos dela como um momento particular do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral do bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da moralidade pública, pois violam o princípio da tolerância e atingem direitos humanos fundamentais.

Dessa ótica, toda guerra contemporânea, que não seja estritamente defensiva, deve ser considerada imoral, pois implica numa tecnologia que atinge indiscriminadamente pessoas permanecendo fora do conflito direto. Isto não significa que toda violência deva ser recriminada, pelo contrário, somos obrigados a conviver com ela: o intolerante e o puritano só podem ser contidos pela força. A dificuldade está em determinar com precisão quem são eles e quais os critérios pelos quais são detectados. Como nada é a priori a não ser em circunstância, o que fica valendo é a prática contínua de julgar e ajustar nossos julgamentos, graças ao aperfeiçoamento das nossas virtudes e de nossas opiniões, que se lustram e se ajustam conforme relativizamos e ampliamos nossas perspectivas". (pp. 244-245)


Ética (Companhia das Letras, org. Adauto Noaves), José Arthur Gianotti

Marcadores: