[ breviário de decomposição ]

domingo, 11 de novembro de 2007

wound

Robert & Shana ParkeHarrison. Wound, 2006, c-print on aluminum
with acrylic, 40 x 40 inches.


"Dá-me a tua mão:
Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

Não era usando como instrumento nenhum de meus atributos que eu estava atingindo o misterioso fogo manso daquilo que é um plasma - foi exatamente tirando de mim todos os atributos, e indo apenas com minhas entranhas vivas. Para ter chegado a isso, eu abandonava a minha organização humana - para entrar nessa coisa monstruosa que é a minha neutralidade viva.

- Sei, é ruim segurar minha mão. É ruim ficar sem ar nesssa mina desabada para onde eu te trouxe sem piedade por ti, mas por piedade por mim. Mas juro que te tirarei ainda vivo daqui - nem que eu minta o que os meus olhos viram. Eu te salvarei deste terror onde, por enquanto, eu te preciso. Que piedade agora por ti, a quem me agarrei. Deste-me inocentemente a mão, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar. Mas não procures entender-me, faze-me apenas companhia. Sei que tua mão me largaria se soubesse" (pp. 98-99).


A Paixão Segundo G.H., Clarice Lispector (1925 - 1977).