[ breviário de decomposição ]

segunda-feira, 5 de março de 2007


Foto: autoria desconhecida, extraída daqui.


Texto colhido do blog da Magia:

- Sabes o que queria agora?
Perguntou ele à solidão que embatia loucamente no chão, no tecto e na nudez das quatro paredes.

- Queria ter a força que nunca tive para te deixar sair do quarto.
Há muito tempo que não se sentia tão confuso. Esfregou demoradamente os olhos ainda estranhos à sombra que lhe realçava as lágrimas secas. Olhou em volta. Tinha um olhar vazio, inundado de uma tristeza que nunca compreendera.

- Sabes porque nunca o fiz? Sabes porque ainda te mantenho cativa e prisioneira?
Neste instante fixou o olhar num pequeno caderno castanho, cujos cantos dobrados e capa coçada acusavam muito uso e uma existência longa. Tinha uma etiqueta onde ainda se lia a palavra "Diário".

- Não o fiz porque não consigo viver sem ti. Sinto que a vida sem ti, deixa de fazer qualquer sentido!
Pegou no caderno. E pela enésima vez com a dor de quem relê o seu próprio sofrimento, folheou-o lentamente.
Embora conhecesse de olhos fechados todas as dedadas, todas as manchas amareladas que os seus dedos ali deixaram ao longo do tempo, parou em cada uma das páginas como se as olhasse pela primeira vez. Deteve-se a olhar algumas nódoas de manteiga que o papel absorvera, e sentiu os vazios. Eram tantos os vazios encerrados e esquecidos em cada uma daquelas páginas nuas, completamente em branco...

- Já te contei esta história tantas vezes...!
Disse ele fechando de repente o velho caderno cheio de folhas por estrear. De pé, com os braços caídos ao longo do corpo, perdeu a noção do tempo dentro do seu olhar perdido. Uma lágrima acusou outras que se seguiram. Desfaleceu por dentro, desta vez nem a solidão, nem sequer o mais macio dos lenços serviriam para aliviar a alma turva...
Pôs o caderno no bolso de trás das calças e olhou em volta em jeito de despedida.

- Vou comprar uma caneta...!
E saiu. #

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