[ breviário de decomposição ]

segunda-feira, 19 de março de 2007




Se me puder ouvir

O poder ainda puro das tuas mãos
é mesmo agora o que mais me comove
descobrem devagar um destino que passa
e não passa por aqui

à mesa do café trocamos palavras
que trazem harmonias
tantas vezes negadas:
aquilo que nem ao vento sequer
segredamos

mas se hoje puderes me ouvir
recomeça, medita numa viagem longa
ou num amor
talvez o mais belo

Poema extraído de Baldios (Lisboa: Assírio & Alvim, 1999), de José Tolentino Mendonça.

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domingo, 18 de março de 2007

Atualizando a biblioteca

- 40 Poem(a)s, e. e. cumiings; 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986;

- Ciranda de Pedra, Lygia Fagundes Telles (col. Grandes Sucessos; São Paulo: Abril Cultura, 1982;

- Tempos Difíceis, Charles Dickens; São Paulo: Clube do Livro, 1969;

- Estado de Sítio / O Estrangeiro, Albert Camus (col. Obras-Primas); São Paulo: Abril Cultura, 1979;

- O Amanate de Lady Chattertley, D. H. Lawrence (col. Os Imortais da Literatura Universal); São Paulo: Abril Cultural, 1972;

- A Estrela Sobe, Marques Rebelo; São Paulo: Círculo do Livro, [entre 1985 e 1989];

- Novelas para um ano: Dona Mimma, Luigi Pirandello (col. Letras Italianas); são Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2000;

- Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?, Edward Albee (col. Teatro Vivo); São Paulo: Abril Cultural, 1977;

- Maria Stuart, Schiller (col. Obras-Primas); São Paulo: Abril Cultura, 1983;

- Navalha na Carne / Quando as Máquinas Param; São Paulo: Círculo do Livro, [entre 1981 e 1984];

- A Mulher que Amou Demais, Myrna (Nelson Rodrigues); São Paulo: Cia. das Letras, 2003;

- Lira dos Vinte Anos, Álvares de Azevedo (col. Grandes Leituras); 3ª ed. São Paulo: FTD, 1989;

- Mulheres, Crarles Bukowski (col. Circo de Letras); 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.



Pois bem. Não tenho dúvidas de que todas aquelas são excelentes obras, mas para mim o destaque dessa seleção é 40 Poem(a)s, do norte-americano e.e. cummings. Estranha a grafia do seu nome, não? Mesmo não sendo uma representação endossada por ele, seus editores frequentemente refletem sua sintaxe atípica ao escrever seu nome em caixa baixa: e.e. cummings.

Edward Estlin Cummings (14.10.1894 - 03.09.1962) é bastante conhecido pelo estilo não usual utilizado em muitos de seus poemas, que incluem o uso não ortodoxo tanto das letras maiúsculas quanto da pontuação, com as quais, inesperadamente, sem motivo e de forma aparentemente errônea, é capaz de interromper uma frase, ou mesmo palavras individualmente. Muitos de seus poemas possuem, também, uma distribuição não convencional, aparentando pouco ou nenhum sentido até serem lidos em voz alta.

Apesar da afinidade de cummings por estilos avant garde e por uma tipografia não usual, muito de seu trabalho é tradicional, apresentando, por exemplo, formato de soneto. Seus poemas com frequência tem como temas o amor e a natureza, bem como sátiras e o relacionamento do indivíduo com as massas e com o mundo.

Durante sua vida ele publicou mais de 900 poemas, duas novelas, diversos ensaios e também inúmeros desenhos, sketches e pinturas. É lembrado como uma das vozes mais importantes da literatura do século XX.

O achado, 40 Poem(a)s, não é um livro que se encontra com muita facilidade por aí não... Garimpava nos sebos há vários anos por algum dos escassos títulos de cummings em português, sem qualquer êxito eté então. A bem da verdade, dele só tenho conhecimento dos seguintes: esse 40 Poem(a)s a que me referi, 20 Poem(a)s (Florianópolis, Noa-Noa, 1979), 10 Poemas (Rio de Janeiro, Serviço de Documentação-MEC, 1960), e o mais recente Poem(a)s (Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1999) todos eles na tradução ou melhor, na "transcriação" do concretista Augusto de Campos.

Meu primeiro contato com cummings se deu a cerca de uma década, quando fui presenteado com um exemplar das primeiras memórias do bibliófilo e Imortal José Mindlin, Uma vida entre Livros: Reencontros com o tempo. Lá pelas tantas o Mindlin se "atreveu" (palavras dele) a traduzir um poema daquele autor. Ei-lo:

Talvez não seja sempre assim; e assim te digo
Que teus lábios, que eu amei, tocarem noutros,
E teus dedos, fortes e queridos, agarrem
Um outro coração, como ao meu em tempo tão remoto;
Se no rosto de outro tua doce cabeleira se esparzir
No silêncio que tão bem conheço, ou entre grandes
Palavras sofredoras, que exprimindo demais em seu murmúrio,
Impotentes se alinham ante o espírito acuado;

Se isto se der, se isto se der, repito
Tu que és tão minha, não o escondas de mim;
Para que eu possa ir a ele, e, tomando-lhe as mãos,
Dizer, Aceita de mim esta ventura toda.
Depois eu voltarei meu rosto, e ouvirei um pássaro
Cantar terrivelmente longe nas regiões perdidas.


Certa vez fiz um commnet lá no Glossolalia a partir de um post da minha querida Lu Melo sobre o cummings. Na ocasião ela havia publicado o seguinte poema dele:

carry your heart with me (i carry it in my heart)
I am never without it (anywhere
I go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)

I fear not fate (for you are my fate, my sweet)
I want no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than soul can hope or mind can hide)

and this is the wonder that's keeping the stars apart
I carry your heart (i carry it in my heart)


Pesquisando um pouco, encontrei a seguinte tradução (de Regina Werneck):

eu levo o seu coração comigo (eu o levo no meu coração)
eu nunca estou sem ele (a qualquer lugar
que eu vá, meu bem, e o que que quer que seja feito
por mim somente é o que você faria, minha querida)

tenho medo que a minha sina (pois você é a minha sina, minha doçura)
eu não quero nenhum mundo (pois bonita você é meu mundo, minha verdade)
e é você que é o que quer que seja o que a lua signifique
e você é qualquer coisa que um sol vai sempre cantar

aqui está o mais profundo segredo que ninguém sabe
(aqui é a raiz da raiz e o botão do botão
e o céu do céu de uma árvore chamada vida, que cresce
mais alto do que a alma possa esperar ou a mente possa esconder)
e isso é a maravilha que está mantendo as estrelas distantes

eu levo o seu coração (eu o levo no meu coração)


Eis um outro poema dele que encontrei burilando por aí (tradução de Jorge Fazenda Lourenço):

já que sentir é primeiro
quem presta alguma atenção
à sintaxe das coisas
nunca há-de beijar-te por inteiro;

por inteiro ensandecer
enquanto a Primavera está no mundo
o meu sangue aprova,
e beijos são melhor fado
que sabedoria
senhora eu juro por toda a flor. Não chores
- o melhor movimento do meu cérebro vale menos que
o teu palpitar de pálpebras que diz

somos um para o outro: então
ri, reclinada nos meus braços
que a vida não é um parágrafo

E a morte julgo nenhum parêntesis


Links:

O Poema - e.e. cummings
Revista CRITÉRIO - Cummings
Reduto Literáio - cummings
Germina Literatura - e.e. cummings
e-cummings
::Rádio USP:FM 93,7:Biblioteca Sonora:5 de junho de 2006::
EEC links page
SPRING 4 contents
SPRING Contents Index
SPRING home page
decapitalization of E. E. Cummings
The Patchin Page #

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sexta-feira, 16 de março de 2007


Escultura do deus grego Atlas em Port Meirion, North Wales, Inglaterra.
Foto de Delay Tactics / Christian.


Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade (31.10.1902 - 17.08.1987). Os versos acima foram publicados originalmente no livro "Sentimento do Mundo", Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940. Foram extraídos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78. #

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sexta-feira, 9 de março de 2007


Antoine Wiertz: The Suicide, 1854.


No meio da tarde de quarta-feira recebi a notícia da morte de um amigo meu, de Salvador, que não via ou tinha notícias há algum tempo. Cometeu suicídio. Estava passando por sérias dificuldades finaceiras. Não aguentou a pressão, o desespero e uma série de seguidos insucessos. Mandou a esposa e os filhos irem ao aeroporto pegar uma outra filha deles que chegava de Quito, no Peru. Quando chegaram em casa encontraram a cena, ele morto com uma bala estourada na cabeça. Isso foi na última segunda-feira. O enterro foi no dia seguinte. Fiquei embasbacado com o fato, perdido, desconcertado. Porque essa idéia já não me fora estranha. Atacou-me uma puta exaqueca, mas tive ainda que enfrentar ainda mais uma reunião de trabalho e, bastante deprimido, fui pra casa. Não tive vontade de comer nada. Dormi e só acordei hoje. Não me sai da mente a imagem dele colocando o revólver na boca e disparando. O Horror. #

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terça-feira, 6 de março de 2007

A morte de Jean Baudrillard


(20.06.1929 - 06.03.2007)
Foto: AFP/Eric Feferberg.
Via wood s lot

O filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard, feroz crítico da sociedade de consumo e considerado um dos teóricos da pós-modernidade, morreu hoje em Paris, de câncer, aos 77 anos.

Ele foi um dos fundadores da revista Utopie, além de ter publicado mais de 50 livros ao longo de sua carreira, dentre os quais O Sistema dos Objetos (1968), A Sociedade de Consumo (1970), Simulacros e Simulações (1981) e América (1997).

Baudrillard refutou o pensamento científico tradicional, e baseou sua filosofia no conceito de virtualidade do mundo aparente. Além de criticar a sociedade de consumo e considerar as massas como cúmplices dessa situação, o francês desenvolveu nas últimas décadas uma crítica radical aos meios de comunicação. Sobre a questão da imagem, ele disse: "Para mim, fotografar não é tomar o mundo como objeto, mas transformá-lo em objeto".

Noticiaram:
O Globo
Folha Onine
Le Monde.fr
Lefigaro.fr
Libération.fr
Gosth in the Wire

Consulte ainda:
Baudrillard Studies
Simulacra and Simulations #

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segunda-feira, 5 de março de 2007


Foto: autoria desconhecida, extraída daqui.


Texto colhido do blog da Magia:

- Sabes o que queria agora?
Perguntou ele à solidão que embatia loucamente no chão, no tecto e na nudez das quatro paredes.

- Queria ter a força que nunca tive para te deixar sair do quarto.
Há muito tempo que não se sentia tão confuso. Esfregou demoradamente os olhos ainda estranhos à sombra que lhe realçava as lágrimas secas. Olhou em volta. Tinha um olhar vazio, inundado de uma tristeza que nunca compreendera.

- Sabes porque nunca o fiz? Sabes porque ainda te mantenho cativa e prisioneira?
Neste instante fixou o olhar num pequeno caderno castanho, cujos cantos dobrados e capa coçada acusavam muito uso e uma existência longa. Tinha uma etiqueta onde ainda se lia a palavra "Diário".

- Não o fiz porque não consigo viver sem ti. Sinto que a vida sem ti, deixa de fazer qualquer sentido!
Pegou no caderno. E pela enésima vez com a dor de quem relê o seu próprio sofrimento, folheou-o lentamente.
Embora conhecesse de olhos fechados todas as dedadas, todas as manchas amareladas que os seus dedos ali deixaram ao longo do tempo, parou em cada uma das páginas como se as olhasse pela primeira vez. Deteve-se a olhar algumas nódoas de manteiga que o papel absorvera, e sentiu os vazios. Eram tantos os vazios encerrados e esquecidos em cada uma daquelas páginas nuas, completamente em branco...

- Já te contei esta história tantas vezes...!
Disse ele fechando de repente o velho caderno cheio de folhas por estrear. De pé, com os braços caídos ao longo do corpo, perdeu a noção do tempo dentro do seu olhar perdido. Uma lágrima acusou outras que se seguiram. Desfaleceu por dentro, desta vez nem a solidão, nem sequer o mais macio dos lenços serviriam para aliviar a alma turva...
Pôs o caderno no bolso de trás das calças e olhou em volta em jeito de despedida.

- Vou comprar uma caneta...!
E saiu. #

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sábado, 3 de março de 2007

Abandonnée


Foto: Legendes oubliées.

A Felicidade

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite
Passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Prá que ela acorde alegre como o dia
Oferecendo beijos de amor

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

(Composição de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes para o filme Orfeu Negro, dirigido por Marcel Camus, 1959). #

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quinta-feira, 1 de março de 2007

Tristeza de mármol


Cementerio de la Recoleta. Foto de Lucas.


"Tristeza, por favor vá embora...". #

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